O que há de mais real é esta distância

O que há de mais real é esta distância inerme
que não entrega que não abandona nem consuma
o que está lá fora como no âmago de nós
Não é por ela e é por ela que uma guitarra dolente chora
é por ela que às vezes se bate a uma porta inteiramente opaca
e é por ela que procuramos num berço vegetal o sono inteiro do nosso peso
o que há de mais discreto e mais anónimo é essa distância sem pontes
essa monotonia incessante que a luz não ilumina
porque está no seio da luz e não é sombra nem luz
Não é um mistério nem matéria para fábulas
e sendo irreal é a essência vazia do real
onde não se colhem mensagens nem secretos signos
Não se ouvem nela cantos de sereia nem a sua ténue estridência
é um canto de sereia porque é o silêncio de um intérmino vazio
onde já não estamos vivos nem poderemos morrer
Mas o corpo quer edificar sobre uma matéria viva
e em si próprio se recolhe com numa arca do silêncio
ou para o dia estende os braços como ramos
que querem envolver o sol e reunir as cores
E é essa construção que o poema edifica
entre as duas margens dessa distância inerme
no instantâneo fulgor de uma brancura ardente

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