Biografia . Bibliografia

                                                                                       

António Ramos Rosa (1924-2013)

António Victor Ramos Rosa nasceu em Faro a 17 de Outubro de 1924. Frequentou em Faro os estudos secundários, que não concluiu por motivos de saúde. Trabalhou como empregado de escritório, desenvolvendo simultaneamente o gosto pela leitura dos principais escritores portugueses e estrangeiros, com especial preferência pelos poetas. Em 1945 vai para Lisboa e dois anos depois volta a Faro, tendo integrado as fileiras do M.U.D. Juvenil, onde militou activamente. Regressado a Lisboa, foi professor de Português, Francês e Inglês, ao mesmo tempo que estava empregado numa firma comercial, e começou a fazer traduções para a Europa-América, trabalho que nunca mais abandonaria e no qual veio a atingir notável qualidade.

O continuado interesse pela actividade literária levou-o a relacionar-se com um grupo de escritores que o incentivaram na publicação dos seus poemas e artigos de crítica, tendo colaborado em numerosos jornais e revistas. Com alguns desses escritores, fundou em 1951 a revista Árvore, que veio a ser uma das mais marcantes da década, procurando divulgar os textos dos poetas e prosadores portugueses mais significativos no tempo, bem como os grandes nomes da literatura estrangeira. Co-dirigiu também as revistas Cassiopeia e Cadernos do Meio-Dia.

A crescente importância que a actividade literária foi tomando na sua vida levou-o a certa altura a abandonar o emprego no escritório em que trabalhava, para a ela se dedicar exclusivamente, com todas as consequências que tal decisão acarretava.

A atitude crítica que permanentemente exercitou sobre a sua própria palavra como sobre a palavra alheia faz de A.R.R. um dos mais esclarecidos críticos portugueses contemporâneos, o que se manifesta em inúmeros artigos e recensões sobre poetas portugueses e estrangeiros, bem como na publicação de vários ensaios centrados na temática da poesia. A.R.R. tem, no entanto, o cuidado de separar de uma forma muito nítida a sua actividade de crítico, em que não pode deixar de utilizar critérios e referências racionais, da sua actividade criadora: enquanto poeta faz da ignorância e da radical suspensão de todos os saberes e hábitos adquiridos o único método para a eclosão da sua palavra poética. Na verdade, a procura da palavra justa para dizer as «coisas nuas» e a reflexão sobre a realidade e a possibilidade dessa palavra é, talvez, o único tema desta poesia, na qual é, no entanto, possível assinalar diferentes fases: recortando-se duma problemática neo-realista de solidariedade para com o destino dos homens e do mundo, O Grito Claro (1958) e Viagem Através de Uma Nebulosa (1960) utilizam uma linguagem e uma vivência ainda devedoras dessa estética, combinadas com uma imagética herdada do surrealismo. Mas encontramos já de uma forma incipiente nessas primeiras recolhas algumas das constantes da obra do poeta: um enraizamento pelo corpo na Terra, não numa Terra utópica e futura, mas na materialidade mais originariamente primitiva da natureza; uma libertação, pela palavra mais solitária, de todas as prisões e constrangimentos que a poderiam cercear; uma permanente atenção à materialidade da própria linguagem poética, que a desliga tanto da sua função representativa como da sua função expressiva (pois não se trata já de exprimir um real subjectivo, tão caro aos poetas líricos). Esta particular concepção da Poesia irá ser retomada mais tarde quer pelo grupo «Poesia 61», quer pelos poetas experimentalistas.

Após um decisivo encontro com a poesia de Éluard, A.R.R. abandona definitivamente a retórica e a imagística neo-realista e surrealista, para se concentrar numa palavra solar, pura e rigorosa, podemos dizer mesmo elementar, à medida que a exigência de um retorno à origem se tornará numa das suas obsessões. Exigência que lhe pedirá até para substituir à sua própria voz uma verdadeira voz inicial (título de uma recolha de 1960), memória da criação mais remota, que se ergue de um território onde se indistinguem sujeito e objecto. Como nota Eduardo Lourenço, a poesia de A.R.R. nunca mais abandonará esse porto «anterior a todos os portos». Esta poética do puro início expande-se a todo o espaço e a toda a matéria, através dum erotismo mediado pelo corpo próprio, pelo corpo da mulher, pelo corpo da terra, pelo corpo da palavra. Da apropriação destes espaços através da palavra poética, nunca dada a priori mas conquistada através de um desejo, de um esforço, de uma viagem, nasce uma felicidade exultante e viva que frequentemente nos é transmitida por metáforas de claridade.

O contraponto desta plenitude meridional é a dificuldade com que o poeta se debate ao tomar consciência da sombra que nasce da raíz de toda a realidade e da realidade de toda a palavra. A luta entre a luz e as trevas, que é central em Sobre o Rosto da Terra, vai invadindo gradualmente de negatividade a poesia subsequente, até lhe ameaçar toda a arquitectura em A Pedra Nua (1972), onde a plenitude solar dos primeiros livros é substituída pela inquietante suspeição sobre o poder dessa mesma palavra, num território cada vez mais calcinado, até ao limite dum dizer que perde o fio e se transforma num quase ininteligível balbuciar (Declives, 1980).

A partir de Volante Verde (1986) assistimos no entanto a uma espécie de «reconciliação com as palavras» através duma certa forma de integração da ausência, já não combatida mas incluída como forma estruturante da própria poesia. O poeta encontra então um novo fôlego, através da «enigmática profusão da terra», numa exaltação da natureza que adquire uma feição animista. O universo poético de A.R.R., jogando com um número relativamente restrito de vocábulos e de temas, dá predominância às palavras substantivas e elementares tais como: pedra, água, árvore, cal, mão, muro, e mesmo às formas mais ínfimas e humildes: unha, insecto, pó, cabelo, sopro, espuma, baba do caracol. Estes elementos são retomados e combinados caleidoscopicamente, em ciclos que continuamente se reiniciam. A exploração ontológica e poética vai-se processando em movimentos cada vez mais lentos e subtis, num itinerário em que a densidade do espaço e a substância dos objectos se vai tornando progressivamente mais permeável e transparente. A desmaterialização das coisas e da língua que as diz liga-se intimamente ao modo como o poeta apreende o ser do universo – misto de presença e de ausência, de verdade e não-verdade, de sim e de não (O Não e o Sim é aliás título de uma recolha de 1990). Criando um campo semântico sobre a finíssima linha de demarcação entre a afirmação e a negação, o poeta foge da dicotomia, da disjunção, da determinação, num espaço cada vez mais aberto e ilimitado, que se adequa cada vez melhor à manifestação «do que não tem nome». O poeta, que procura entrar em consonância com esse horizonte do real, torna-se também ele corpo místico e mítico do universo, onde se conciliam por fim todos os contrários.

Poesia de coordenadas eminentemente espaciais, ela tem evoluído ultimamente no sentido de uma mais acentuada articulação discursiva, a par de uma aguda consciência da passagem do Tempo, com as questões que essa consciencialização coloca: «será ainda possível construir sobre a cinza do tempo / a casa da maturidade com as suas constelações brancas?»

A. R. R. recebeu vários prémios de poesia, o primeiro dos quais pela obra Viagem Através de Uma Nebulosa, partilhado ex-aequo com Henrique Segurado. Em 1980, o Prémio do Centro Português da Associação de Críticos Literários, pelo livro O Incêndio dos Aspectos; em 1988, o Prémio Pessoa; em 1989, o Prémio APE/CTT, pela recolha Acordes, e, em 1990, o Grande Prémio Internacional de Poesia, no âmbito dos Encontros Internacionais de Poesia de Liège.

in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. V, Lisboa, 1998


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Biography


António Ramos Rosa (1924-2013)

Born in Faro, the Algarve, in 1924, António Ramos Rosa moved to Lisbon in 1945, returning two years later to his hometown, where he was active in the recently created Movimento de Unidade Democrática, which opposed the Salazar regime. Arrested for his involvement in the group, he went back to the capital city to serve a three-month jail sentence. To make ends meet as a young man, both in the Algarve and in Lisbon (where he eventually settled for good, in 1962), he taught French and English and also became a notable translator, but from early on his great passion was poetry. He read it voraciously and became, as the years went by, an extremely prolific writer and critic of poetry.

In 1951 Ramos Rosa co-founded Árvore [Tree], which was one of the most significant literary magazines in Portugal during the post-war period, partly because of the attention it paid to international writing. For the magazine’s inaugural issue Ramos Rosa wrote an essay on René Char, whose poetry also featured in its pages, and it was French poetry (the work of Paul Éluard in particular) that galvanized him to begin producing his own work.

Ramos Rosa co-directed other magazines, where his own poems sometimes appeared, but it wasn’t until 1958 that he published his first book, O Grito Claro [The Clear Shout]. A steady stream of books has followed, with over fifty titles to the author’s credit. While the earliest poems (see, for instance, ‘I can’t postpone love’) reflect a political solidarity in opposition to the repressive regime, the poet’s work soon shifted toward its definitive pursuit of origins – our original speech, our original space, our original bodies, our original ignorance. Adjectives like ‘initial’ and ‘inaugural’ occur rather often, in combination with nouns such as ‘voice’, ‘breath’, ‘light’, ‘water’, ‘stone’, ‘tree’.

Does the original innocence that the poet invokes (and in which he exalts) exist anywhere except in language itself? He would certainly like to believe so. He does not propose language for its own sake, in substitution of reality, but as a means for arriving at a purer, primordial reality. He explains: “What I seek, in fact, is a space in which to breathe. I want my words to sketch a silent, aerial, initial landscape. Something seems to prevent me from forcing anything, from being heavy, as if the living word could only emerge from an excess of lightness and transparency!” Lightness gives rise to living words, which in turn create more lightness . . .

Six of the poems presented here are from The Book of Ignorance [O Livro da Ignorância], published in 1988, the same year the poet won the Prémio Pessoa, Portugal’s most prestigious prize for contributions in the arts and sciences. He has garnered other major awards, both national and international, and his poetry has been widely translated, especially into French.

Richard Zenith


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Bibliografia (Incompleta)


Poesia

O grito claro (Poesia), 1958 
Viagem através duma nebulosa (Poesia), 1960 
Voz inicial (Poesia), 1960 
Sobre o rosto da terra (Poesia), 1961 
Poesia, liberdade livre, 1962 ; 1986 
Ocupação do espaço (Poesia), 1963 
Terrear (Poesia), 1964 
Estou vivo e escrevo sol (Poesia), 1966 
A construção do corpo (Poesia), 1969 
Líricas Portuguesas: 4.ª série, selec., pref. e notas de Ramos Rosa (Antologia Poética), 1969 
Nos seus olhos de silêncio (Poesia), 1970 
A pedra nua (Poesia), 1972 
Horizonte imediato (Antologia), 1974 
Não posso adiar o coração. Obra poética, 1º vol (Antologia), 1974 
Ciclo do cavalo (Poesia), 1975 
Animal olhar. Obra poética, 2º vol. (Antologia), 1975 
Respirar a sombra viva. Obra poética, 3º vol. (Antologia), 1975 
Boca incompleta (Poesia), 1977 
A imagem (Poesia), 1977 
A palavra e o lugar (Antologia), 1977 
As marcas no deserto (Poesia), 1978 ; 1980 
A nuvem sobre a página (Poesia), 1978 
Círculo aberto (Poesia), 1979 
A poesia moderna e a interrogação do real, 2 vols., 1979 ; 1980 
Figurações (Poesia), 1979 
Declives (Poesia), 1980 
Le domaine enchanté (Poesia), 1980 
O incêndio dos aspectos (Poesia), 1980 
Figuras: fragmentos (Poesia), 1980 
O centro na distância (Poesia), 1981 
O incerto exacto (Poesia), 1982 
Gravitações (Poesia), 1983 
Quando o inexorável (Poesia), 1983 
Matéria de amor (Antologia), 1983 
Dinâmica subtil (Poesia), 1984 
Ficção (Poesia), 1985 
Mediadoras (Poesia), 1985 
Clareiras (Poesia), 1986 
Vinte poemas para Albano Martins (Poesia), 1986 
Volante verde (Poesia), 1986 
Incisões oblíquas, 1987 
No calcanhar do vento (Poesia), 1987 
A mão de água e a mão de fogo (Antologia), 1987 
O deus nu(lo) (Poesia), 1988 
O livro da ignorância (Poesia), 1988 
Duas águas: um rio, em col. (Poesia), em colab. com Casimiro de Brito, 1989 ; 2002 
Acordes (Poesia), 1989 
Três lições materiais (Poesia), 1989 
Obra poética, 1º vol. (Antologia), 1989 
Estrias (Poesia), 1990 
O não e o sim (Poesia), 1990 
Facilidade do ar (Poesia), 1990 
Oásis branco (Poesia), 1991 
A intacta ferida (Poesia), 1991 
A rosa esquerda (Poesia), 1991 
A parede azul. Estudos sobre poesia e artes plásticas, 1991 
Rotações, em col. (Poesia), em colab. com Agripina Costa Marques, Carlos Poças Falcão, 1991 
As armas imprecisas (Poesia), 1992 
Clamores (Poesia), 1992 
Dezassete poemas (Poesia), 1992 
Pólen-silêncio (Poesia), 1992 
Lâmpadas com alguns insectos (Poesia), 1993 
O centro inteiro, em col. (Poesia), em colab. com Agripina Costa Marques, António Magalhães, 1993 
O navio da matéria (Poesia), 1994 
O teu rosto (Poesia), 1994 ; 2002 
Três (Poesia), 1995 
À la table du vent, ed. bilingue, trad. Patrick Quillier, pref. Robert Brechon (Poesia), 1995 
Delta seguido de Pela primeira vez (Poesia), 1996 
Figuras solares (Poesia), 1996 
Nomes de ninguém (Poesia), 1997 
À mesa do vento seguido de As espirais de Dioniso (Poesia), 1997 
Versões/Inversões (Poesia), 1997 
Poemas escolhidos, org. Maria Filipe Ramos Rosa (Antologia), 1997 A imagem e o desejo (Poesia), 1998 
A imobilidade fulminante (Poesia), 1998 
Pátria soberana seguido de Nova ficção (Poesia), 1999 ; 2001 
O princípio da água (Poesia), 2000 
As palavras (Poesia), 2001 
Antologia poética, pref., selec. e bibliog. de Ana Paula Coutinho Mendes (Antologia), 2001 
Deambulações oblíquas (Poesia), 2001 
O deus da incerta ignorância seguido de Incertezas ou evidências (Poesia), 2001 
O aprendiz secreto (Poesia), 2001 
Os volúveis diademas (Poesia), 2002 
O alvor do mundo. Diálogo poético, em col. (Poesia), 2002 
Cada árvore é um ser para ser em nós (Poesia), 2002 
O sol é todo o espaço (Poesia), 2002 
Os animais do sol e da sombra seguido de O corpo inicial (Poesia), 2003 
Meditações Metapoéticas, em col. c/ Robert Bréchon (Poesia), 2003 
O que não pode ser dito (Poesia), 2003 
Relâmpago do nada (Poesia), 2004 
O poeta na rua. Antologia portátil, sel. e pref. de Ana Paula Coutinho Neves (Antologia Poética), 2004 
Génese seguido de Constelações (Poesia), 2005 
Horizonte a Ocidente (Poesia), 2007
Rosa Intacta (Poesia), 2007
Prosas seguidas de diálogos (Prosa), 2011
...

Poesia Presente (Antologia), 2014
Obra Poética I (Antologia), 2018

Revistas onde colaborou

Árvore, 1952 -1954
Cassiopeia, 1956
Cadernos do Meio-dia, 1958 -1960
Esprit 
Europa Letteraria
Colóquio-Letras 
Ler 
O Tempo e o Modo 
Raiz & Utopia 
Seara Nova 
Silex
Revista Vértice

Jornais onde colaborou

A Capital 
Artes & Letras 
Comércio do Porto 
Diário de Lisboa 
Diário de Notícias 
Diário Popular 
O Tempo

Prémios Escritor

Prémio da Bienal de Poesia de Liége, 1991 
Prémio Jean Malrieu para o melhor livro de poesia traduzido em França, 1992

Prémios Obra

Prémio Fernando Pessoa, da Editora Ática (Segundo Lugar ex-aequo), 1958 (Viagem através duma nebulosa) 
Prémio Nacional de Poesia, da Secretaria de Estado de Informação e Turismo (recusado pelo autor), 1971 (Nos seus olhos de silêncio) 
Prémio Literário da Casa da Imprensa (Prémio Literário), 1972 (A pedra nua) 
Prémio da Fundação de Hautevilliers para o Diálogo de Culturas (Prémio de Tradução), 1976 (Algumas das Palavras: antologia de poesia de Paul Éluard) 
Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia, 1980 (O incêndio dos aspectos) 
Prémio Nicola de Poesia, 1986 (Volante verde) 
Prémio Jacinto do Prado Coelho, do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, 1987 (Incisões oblíquas) 
Grande Prémio de Poesia APE/CTT, 1989 (Acordes) 
Prémio Municipal Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa (Prémio de Poesia), 1992 (As armas imprecisas) 
Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen (Prémio de Poesia), São João da Madeira, 2005 (O poeta na rua. Antologia portátil) 




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