Navegava no navio da matéria

Navegava no navio da matéria
a melodia da sede cintilava
sob o pólen branco do silêncio
Sobre o veludo unânime das veias
viu as corolas e os cálices dos fósseis
os pássaros da seiva
os diamantes de musgo
a voluptuosa água da semelhança viva

O cristal da concha mais secreta
era negro sob a sombra ferida
e verde
e a sua língua era uma chama branca
aberta como um livro

Abeirou-se de uma crespa cabeleira negra
entre sumptuosas luas
viu as sinuosas artérias entre as asas de areia
a oscilação ritmica de um ventre
como uma lisa viola de coral
e bebeu a espessa água da profunda floresta

Na sua sede extrema na sua fragilidade pura
acariciava os veios dos astros vegetais
o flutuante tronco primaveril e arcaico
em que lábios adormecidos se ofereciam
num cálido sopro polvilhado de pólen
Era uma ânfora na duna era um barco fendido
de cintilante mercúrio
era uma ilha de palpebras
uma mulher de flancos de nascente
e de cãmaras de verdura
era a lenta pátria da terra o continente azul
do silêncio do nascimento solar
para adormecer sem espelhos
ao rés do horizonte

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